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Conceito de Direitos Humanos/Fundamentais PDF Imprimir E-mail
Escrito por Vanderlei Siraque   
Ter, 14 de Abril de 2009 19:24

Conceito de Direitos Humanos/fundamentais

“Siendo la naturaleza humana como es, no cabe esperar que el detentador o los detentadores del poder sean capaces, por autolimitación voluntaria, de liberar a los destinatarios del poder y a sí mismos del trágico abuso del poder. Instituciones para controlar el poder no nacen ni operan por sí solas, sino que deberían ser creadas ordenadamente e incorporadas conscientemente en el proceso del poder. Han pasado muchos siglos hasta que el hombre político ha aprendido que la sociedad justa, que le otorga y garantiza sus derechos indivi­duales, depende de la existencia de límites impuestos a los detentadores del poder en el ejercicio de su poder, independientemente de si la legitimación de su dominio tiene fundamentos fácticos, religiosos o jurídicos” (LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Tradução de Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1986, p. 54).

 


CAPÍTULO I
APONTAMENTOS SOBRE O ESTADO

Aristóteles já afirmava que o homem é um animal político”, isto é, que a convivência em sociedade faz parte da essência humana, motivo pelo qual o ser humano, ao longo da história, partiu de uma vivência isolada, individualizada, para um conviver em sociedade. Atingiu os vários estágios de formação da vida em comunidade, partindo de grupos familiares para a consolidação de grupos sociais mais complexos.
Mas, se de um lado o homem tem uma natureza social, de outro lado, como apresenta Thomas Hobbes em Leviatã, o Homem é Lobo do Homem”, no sentido de que é natural a ele a ambição, e esta pode levá-lo até mesmo à destruição do próximo na defesa de seu espaço e de suas convicções, fazendo-se mister a organização da sociedade, com a demarcação de limites aos comportamentos intersubjetivos.
A evolução na organização da sociedade foi demonstrada por Emmanuel Sieyès num pequeno panfleto intitulado Que é o Terceiro Estado?, no qual aponta que o homem passou por três momentos na história. No primeiro, há uma quantidade de indivíduos isolados, que, só pelo fato de quererem reunir-se, têm todos os direitos de uma nação, bastando exercê-los; no segundo, eles se reúnem para deliberar sobre as necessiades públicas e os meios de provê-las; no terceiro, surge o governo exercido por procuração — o Estado: os associados separam tudo o que é necessário para velar e prover as atenções públicas, e confiam o exercício desta porção de vontade nacional, e por conseguinte de poder, a alguns dentre eles”. Aqui já não atua uma vontade comum real, mas sim uma vontade comum representativa (Sieyès, 1973, apudBastos, 1990:21).
A lição de Sieyès é importante na busca de uma definição de Estado, porque diferencia a simples organização da sociedade da organização por meio do Estado, caracterizando-se este pela transferência das decisões inerentes à coordenação social a uma pessoa, a qual passa a deter o poder político, isto é, a faculdade de impor aos indivíduos a sua vontade.
Todavia, é muito difícil conceituar o Estado, tendo em vista que isso depende do local e do momento histórico que estamos descrevendo. A maioria dos autores refere-se às seguintes fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno.
Para efeitos de nosso estudo interessa apenas o conceito de Estado Moderno, aquele que surgiu por volta dos séculos XVI e XVII, junto com a idéia da prática da soberania. O Estado Moderno surge com o tratado de Westfália: “Balladore Palliere indica mesmo, com absoluta precisão, o ano do nascimento do Estado, escrevendo que ‘a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648, ano em que foi assinada a paz de Westfália’...” (Dallari, 1982:47);e, ainda:“Os tratados de paz de Westfália tiveram o caráter de documentação da existência de um novo tipo de Estado, com a característica básica de unidade territorial dotada de um poder soberano. Era já o Estado Moderno...” (Dallari, 1982:62).
O constitucionalista Celso Bastos afirma que o Estado Moderno foi fruto de uma longa evolução que desabrochou por volta do século XVI:
“O Estado — entendido portanto como uma forma específica da sociedade política — é o resultado de uma longa evolução na maneira de organização do poder. Ele surge com as transformações por que passa a sociedade política por volta do século XVI. Nessa altura, uma série de fatores, que vinham amadurecendo ao longo dos últimos séculos do período medieval, torna possível — e mesmo necessária — a concentração do poder numa única pessoa. É esta característica a principal nota formadora do Estado moderno. O poder torna-se mais abrangente. Atividades que outrora comportavam um exercício difuso pela sociedade são concentradas nas mãos do poder monárquico, que assim passa a ser aquele que resolve em última instância os problemas atinentes aos rumos e aos fins a serem impressos no próprio Estado” (Bastos, 1990:5).
Quanto ao conceito de Estado, podemos citar dezenas deles, uma vez que não existe consenso entre os estudiosos do tema, conforme pontua Easton (apudDallari, 1982:101), pois “ou se dá mais ênfase a um elemento concreto ligado à noção de força, ou se realça a natureza jurídica, tomando-se como ponto de partida a noção de ordem”.Entre os estudiosos do tema podemos citar Ranelletti, Duguit, Gurvitch, Gerber, Jellinek, Kelsen.
O Estado foi conceituado da seguinte maneira por Dallari (1982:104):
“(...) ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território”.
Apresentada uma breve conceituação de Estado, interessante é a análise dos clássicos elementos do Estado: território, população, poder e finalidade. Articulando tais elementos, temos o território como o espaço físico onde habita o grupo humano (população) a ser organizado. Exerce o aparelho estatal o poder (faculdade de dirigir os negócios e de impor sanções jurídicas aos integrantes da sociedade), com o objetivo de alcançar o bem comum de toda a população (finalidade).
A real condição desses clássicos elementos estatais é questionada por diversos autores, ao indagarem se consistem eles em pressupostos para a existência estatal ou simples elementos nem sempre necessários à existência do Estado.
Analisando-se um a um os clássicos elementos estatais, entendem muitos autores que o território individualizado nem sempre é necessário, visto existirem povos que constituem verdadeiras nações, os quais não possuem um território próprio. Agora, a população, o poder e a finalidade são condições essenciais para a existência do Estado, por motivos óbvios, uma vez que constituem a sua própria razão de ser.
O fato é que a história registrou Estados sem a necessidade do elemento territorial. Citamos, a título de exemplo, o caso dos judeus e, ainda hoje, o dos palestinos. No entanto, judeus e palestinos prescindiram do elemento territorial por serem uma nação e não apenas um povo; isto é, nação no sentido de comunidade, de grande identidade cultural, política, religiosa. O povo, necessariamente, não é uma comunidade, uma vez que poderá ser um conjunto de comunidades, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos, que são formados por diversas comunidades e identidades culturais.
Muito oportuna é a lição de Dallari (1982:118-119):
“A coincidência entre Estado e Nação vai se tornando cada vez mais rara à medida que aumentam as facilidades de comunicação e a mobilidade dos indivíduos, de um para outro Estado. A pretensão de caracterizar o Estado moderno como Estado nacional baseou-se na relativa estabilidade obtida pela Europa no século XIX, com as fronteiras bem delimitadas e a nítida predominância de certas características nacionais em cada Estado. Daí a afirmação do princípio das nacionalidades, segundo o qual cada Nação deveria constituir um Estado. [...] o Estado é uma sociedade e a Nação uma comunidade”.
É verdade que existem Estados sem território, mas é verdade também que muitos Estados se formaram, principalmente, pela existência de um território, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos. Portanto, seria quase impossível Estados como o Brasil e os Estados Unidos manterem a unidade de seus povos sem o elemento territorial, pois, no seio destes, há diversas identidades culturais. Lembramos, ainda, que, apesar de muitas nações ou comunidades formarem Estados sem a existência de determinado território, essas comunidades têm como principal objetivo a conquista de um território próprio, fato que leva a graves conflitos internacionais. Citamos, a título de exemplo, sem entrar no mérito da questão, o conflito entre o Estado de Israel e a Organização pela Libertação da Palestina.
A questão do poder é de extrema relevância e deve merecer algumas considerações. Como realça Bastos (1990:12):
“Se perguntamo-nos qual o objeto fundamental com que se defronta uma Constituição, vamos encontrar uma só resposta: a regulação jurídica do poder. Na verdade, é a configuração que vier a ser imprimida a ele, a sua afetação a estes ou àqueles detentores, sua maior ou menor concentração, os controles de que é passível, assim como as garantias dos destinatários do poder que acabam por conformar o Estado e a sociedade”.
Poder é a faculdade de alguém impor a sua vontade a outrem. O poder político, a seu turno, não é outro senão aquele exercido no Estado e pelo Estado (Bastos, 1990:13). A criação do Estado não implica a eliminação dos outros poderes sociais: o poder econômico, o poder religioso, o poder sindical..., estes todos continuam vivos na organização política. Acontece, entretanto, que tais poderes não podem exercer a coerção máxima, vale dizer, a invocação da força física por autoridade própria. Eles terão, sempre, de chamar em seu socorro o Estado. Nessa medida são poderes subordinados. Conforme Stoppino (1975, apudBastos, 1990:13):
“Em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos e a fenômenos naturais (exemplo: poder do calor, poder de absorção). Se a entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceitual pode ir desde a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito mas também o objeto do poder social. É poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens aos seus filhos ou a capacidade de um governo de dar ordens aos cidadãos”.
O Estado, de nossa ótica, é uma entidade jurídica criada pela organização política de um agrupamento de indivíduos, denominado povo, o qual tem força, poder suficiente e capacidade de agregação para manter esse grupo organizado e coeso em torno de certos objetivos e ser reconhecido pela comunidade internacional, cujas finalidades estão descritas no ordenamento jurídico, que regula a forma de acesso e do exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, num determinado território.
As funções do Estado podem estar concentradas num único órgão ou pessoa ou em órgãos ou pessoas diferentes. O acesso ao exercício das funções estatais poderá ocorrer de diversas maneiras: por voto, por concurso público, por meio da força ou revolução. O tempo no exercício das funções estatais poderá ser por prazo determinado ou indeterminado. O exercício das funções estatais poderá ser de diversas maneiras, entre as quais a democrática e a ditatorial. O Estado, ainda, poderá ser de diversos tipos ou modelos: liberal, social, socialista, capitalista. Podemos também apontar as formas modernas de Estado e de governo: monarquia constitucional ou república; parlamentarismo ou presidencialismo.
Na realidade, tudo vai depender daquilo que for adotado pela classe dominante do povo, por meio de ordenamento jurídico, tendo em vista que é este que restringe ou amplia o poder e os deveres do povo e das autoridades estatais, o tipo, o modelo e a forma do Estado e a maneira de acesso, do exercício e do controle do poder, além dos objetivos e finalidades do Estado. Assim, o ordenamento jurídico é criado por quem tem o poder político para fazê-lo.
É óbvio que o poder econômico, religioso, cultural gera poder político e influencia na forma de organização do povo por meio do Estado, além de determinar as suas finalidades, por meio do ordenamento jurídico. Citamos a Revolução de 1789 na França, em que o poder econômico da burguesia gerou o poder político de fazer a revolução e consolidar um novo regime político com ordenamento jurídico próprio.
O povo não é um conjunto homogêneo de pessoas. Existem contradições e diferenças econômicas, políticas, ideológicas, culturais, religiosas, de nível de informação e formação. Por isso, os grupos organizados dentro de determinado povo têm a capacidade de dominar os demais e submetê-los a seus interesses, até mesmo por meio do Estado.
O grupo organizado que estiver no exercício das funções do Estado — legislativa, administrativa e jurisdicional — vai impor suas vontades na formação da lei, da atividade administrativa e na interpretação definitiva do ordenamento jurídico, com o fito de aplicar as sanções jurídicas, conforme a ótica estabelecida pela hegemonia desse grupo.
Tal fato não deixou de gerar conflitos, pois o ser humano, mesmo quando dominado, busca sempre a liberdade, uma vez que tem inteligência e capacidade de pensar, raciocinar e organizar-se.
A história sempre foi e ainda é repleta de pequenos grupos de seres humanos que buscam dominar a maioria, mas também de muitos grupos de homens e mulheres que se libertaram e buscam garantir a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a fraternidade, formal e material, para toda a humanidade.
Muitos, ao longo da história, tentaram, inclusive, destruir o Estado, pois viram nessa forma de organização política apenas dominações da minoria sobre a maioria do povo, maneiras de opressão, de exploração e garantia do direito dos proprietários em detrimento do direito dos despossuídos. Muitos outros, no entanto, enxergaram que a dominação não estava, necessariamente, na instituição Estado, mas no ordenamento jurídico, na forma do exercício das funções estatais, na maneira de acesso, controle e partilha do poder, na falta de limites dos agentes encarregados das funções estatais.
Ao longo dos séculos, o povo lutou por liberdade, por direitos, por ações negativas e positivas do Estado, pela soberania popular e por meio da Constituição submeteu os encarregados do poder aos destinatários do poder: o povo.
O Estado se aprimorou com a evolução da consciência política do povo. Hoje, praticamente, não se fala mais em poder ou vontade dos agentes estatais, mas em poder-dever, em competências determinadas pelo ordenamento jurídico com a finalidade de realizar o interesse público, conforme estatuído pelo conteúdo das normas jurídicas.
Agora não mais resta dúvida de que o Estado é uma pessoa jurídica, criada pelo poder político, cujo contrato social é a Constituição; os donos, os sócios dessa pessoa jurídica são todos os integrantes da sociedade. Os agentes estatais que exercem as funções legislativas, administrativas e jurisdicionais têm o poder (denominado poder-dever) apenas no sentido de fazer cumprir os princípios e as regras constitucionais, para cumprir e fazer cumprir os fundamentos, os objetivos e as finalidades estabelecidas pela soberania popular, mediante as normas jurídicas.
Corroborando essa linha de pensamento, transcrevemos trecho do publicista Dallari (1982:108-109):“Apesar de todas as objeções, parece-nos sólida e coerente a construção científica da teoria da personalidade jurídica do Estado, como foi concebida pelos publicistas alemães e como vem sendo sustentada pelos seus seguidores”.
Logo, o poder dos agentes estatais não se volta ao atendimento das suas próprias vontades, mas às finalidades estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Esse poder é indisponível, pois pertence ao conjunto da sociedade. Tal afirmação significa que os agentes estatais não têm o poder em si, mas o poder-dever para a realização das finalidades públicas.
Em praticamente todos os Estados do Planeta, os encarregados das funções estatais estão juridicamente submetidos às normas constitucionais e, portanto, suas atividades ou ações estão sujeitas à responsabilização, à prestação de contas e a controle institucional e social.
Nossa afirmação, todavia, não é no sentido de que as autoridades submetidas juridicamente às normas constitucionais o estejam, de fato, submetidas a essas normas, tendo em vista que existem fatores extrajurídicos que levam as autoridades a não se submeterem às normas jurídicas, mesmo estando elas em pleno vigor.
A força das normas depende da capacidade de autonomia da sociedade em relação aos mandatários do Estado, do nível de consciência política e de informação sobre os negócios estatais, da capacidade de organização, da formação, enfim, da capacidade de a sociedade exercer a cidadania ativa.
Entretanto, é evidente que um dos passos para a submissão de fato das autoridades às normas jurídicas é a existência dessas normas no âmbito da Constituição, que é uma realidade na maioria dos Estados do Planeta.

CAPÍTULO II
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO
CONTROLE SOCIAL DA FUNÇÃO
ADMINISTRATIVA DO ESTADO

O controle social das atividades do Estado é uma luta incessante da humanidade. É direito humano fundamental da primeira geração, também denominado liberdades públicas, direitos e garantias individuais, direitos de resistência, direitos civis, direito público subjetivo.
A humanidade conquistou os direitos fundamentais por meio da luta, da organização, da conscientização das pessoas e da capacidade de aglutinação daqueles seres humanos que desejavam a liberdade, a igualdade e se preocupavam com seus semelhantes antes de si mesmos.
Os direitos fundamentais, também, são frutos da teorização, da reflexão, da capacidade de indignação das pessoas diante das barbaridades cometidas pelos próprios seres humanos em relação aos seus semelhantes.
Segundo Jhering (1855 apudSilva, 1990:134), na sociedade primitiva o poder era interno à própria sociedade. Não existia poder dominante. Os seres humanos buscavam libertar-se da opressão da natureza, mediante descobertas e invenções. Todavia, com o desenvolvimento do sistema de propriedade, apareceu a opressão e a subordinação, além da escravidão sistemática. Assim, se é certo que a evolução das sociedades torna necessária a intervenção de uma vontade preponderante que preserve sua unidade ordenada em harmonia aos fins sociais (Dallari, 1998:42), fato é que o Estado forma-se para sustentar e amparar o sistema de dominação. A partir de então, o homem, além de lutar contra os empecilhos da natureza, viu-se diante das opressões sociais e políticas e sua história passou a ser a luta para se libertar de tais opressões e da dominação.
O intelecto humano luta para dominar a propriedade pela definição das relações entre o Estado e a propriedade: as obrigações e as limitações dos seus donos e as salvaguardas para as suas garantias, tendo em vista que os interesses da sociedade são maiores que os dos indivíduos isoladamente.
A humanidade luta pela democracia no governo, pela igualdade de direitos, pelo controle dos atos dos detentores do poder político. Esse histórico embate, que desembocou na edificação da doutrina dos direitos do homem, tem seus primórdios na própria concepção de direito natural da Antigüidade, a qual consistiu em verdadeiro ancestral filosófico da doutrina dos direitos fundamentais (Ferreira Filho, 2000:9). No bojo dessa luta imemorial, foram surgindo diversos institutos jurídicos voltados à proteção da liberdade e de direitos de indivíduos e grupos em face do poderio do Estado. É o caso, ainda no Império Romano, do veto do tribuno da plebe, contra ações injustas dos patrícios em Roma; da lei Valério Publícola, que proibiu penas corporais contra cidadãos em determinadas situações, e do interdicto de homine libero exhibendo,que dava proteção jurídica à liberdade e é o antecedente remoto do habeas corpus.
Note-se que, para os antigos povos orientais, gregos, romanos e mesmo no mundo ocidental cristão até o século XVIII, o exercício do poder por seus detentores era tido como fruto de uma vontade divina. Faz-se, então, presente a idéia de um direito superior à vontade humana, como se depreende de textos como Antígona, de Sófocles, De legibus, de Cícero, e — mais adiante, no século XIII —, notadamente, Suma teológica, de Tomás de Aquino (Ferreira Filho, 2000:9).
Os antecedentes mais diretos das declarações de direito datam precisamente da Idade Média, período em que floresceu a Escola do Direito Natural e das Gentes — formuladora da doutrina incorporada pelo pensamento iluminista e expressa nas Declarações —, marcando o aparecimento das leis fundamentais do Reino, limitadoras do poder do monarca, bem como do conjunto de princípios denominado humanismo (Silva, 1990:135). Nesse contexto é que surgiram os pactos, os forais e as cartas de franquia, nos quais reis e senhores feudais inscreveram direitos — reflexamente individuais (Silva, 1990:135) — a comunidades locais e corporações (Ferreira Filho, 2000:11). Dentre os citados documentos, os espanhóis elaboraram, por exemplo: o de Leon e Castela (1188),o de Aragão (1265)e o de Viscaia (1526).
No entanto, foram os ingleses que fizeram repercutir com mais firmeza os seus institutos, com a elaboração de cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais, tais como a Magna Carta (1215-1225),marco histórico para a humanidade, o Mayflower Compact (1620), a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e finalmente o Bill of Rights (1688), documento advindo da Revolução de 1688 e que consagrou na Inglaterra a monarquia constitucional submetida à soberania popular, inspirando posteriormente as democracias liberais da Europa e América nos séculos XVIII e XIX.
É verdade que esses textos são estamentais e condicionam-se à formação de regras consuetudinárias. Porém, foram importantíssimos símbolos das liberdades públicas e serviram de base para que juristas extraíssem, especialmente da Magna Carta, os fundamentos da ordem jurídica democrática inglesa.
A estabilidade e o firme desenvolvimento das instituições inglesas bastaram para garantir as liberdades públicas. As constantes afirmações do Parlamento e dos precedentes judiciais formando a Common Law foram suficientes para assegurar o mais firme respeito pelos direitos fundamentais dos seres humanos.
Citamos, ainda, os diversos documentos das colônias inglesas da América do Norte, os quais são estatutos e cartas assecuratórios de direitos fundamentais, como: Charter of New England (1620); Charter of Massachusetts Bay (1629); Charter of Maryland (1632); Charter of Carolina (1663); Charter of Georgia (1732); Massa­chusetts Body of Liberties (1641); New York Charter of Liberties (1683); Pensylvania Charter of Privileges (1701).
Os documentos formais citados, com denominações diversas, foram importantes para a humanidade. No entanto, não visavam criar ou garantir direitos para todas as pessoas, mas apenas para uma elite incluída (Bonavides, apudAraújo & Nunes Júnior, 2003). A Magna Carta, e. g., freqüentemente tida por outros autores como o antecedente mais direto das Declarações de Direito, não passou de uma consagração de direitos a barões e prelados ingleses. Em nome dessa minoria — e não ainda de direitos inerentes à pessoa humana oponíveis a qualquer governo — é que se clamou pela restrição do poder absoluto do monarca (Dallari, 1998:205).
Já numa outra fase histórica, tomando como parâmetro os documentos antecedentes, foram de grande envergadura as Declarações de Direitos dos Estados da Virgínia e da Pensilvânia de 1776, as quais precederam à Revolução burguesa na França, mas comungavam das mesmas idéias e embasamento filosófico (calcado em pensadores como Rousseau, Montesquieu, Locke). A Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia é apontada como a primeira declaração de direitos fundamentais em sentido moderno (Silva, 1990:137).
Todavia, a Carta de maior pujança foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, fruto da Revolução Francesa, notadamente por seu cunho universalista. Os direitos individuais proclamados dirigem-se, destarte, a todos os homens de todos os tempos e lugares.
O conteúdo da Declaração francesa foi constitucionalizado pela grande maioria dos Estados, convertendo-se em normas jurídicas, geradoras de direitos subjetivos em âmbito nacional. Podemos citar como marco a Constituição da Bélgica de 1831; mas, antes da Belga, podemos citar também a Constituição do Império do Brasil de 1824, outorgada por D. Pedro I, a qual trouxe no art. 179 trinta e cinco incisos com direitos civis e políticos (Silva, 1990:149).
Fato é que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão refletiu a tendência liberal do século XVIII, apresentando um teor marcadamente individualista. Nessa concepção, vislumbrava-se um Estado predominantemente passivo incumbido de conservar os direitos dos que já os possuíam. Foram os movimentos surgidos a partir do industrialismo do século XIX e, precisamente, a Revolução Russa de 1917 que despertaram “a consciência de que os que não têm direitos a conservar são os que mais precisam do Estado” (Dallari, 1998:210).
Conforme Bonavides (2001:516):
“Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano”.
Importante frisar as características da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: a) intelectualismo, porque foi uma operação de ordem puramente intelectual que se desenrolaria somente no plano das idéias; era antes de tudo um documento filosófico e jurídico que visava a uma sociedade ideal, mas baseada no consentimento popular, na legitimidade; b) mundialismo, pois pretendia ultrapassar os indivíduos franceses; desejava um valor geral, universal; c) individualismo, uma vez que somente consagrava os valores individuais e não mencionava a liberdade de associação nem a liberdade de reunião; preocupava-se apenas em defender o indivíduo contra o Estado; declarava o direito de resistência. É de cunho estritamente liberal, burguês. Assim,essa Declaração traz apenas os direitos da primeira geração, isto é, os direitos individuais e políticos, esquecendo-se dos direitos econômicos, sociais e culturais (de segunda geração) e dos direitos à preservação, à paz, à solidariedade (direitos da terceira geração). Portanto, apesar de pretender-se universal, acabava, na prática, não atingindo nem a totalidade do povo francês. Formalmente, todos tinham direitos. Mas apenas perante a lei e não na lei (igualdade substancial). Logo, atendia-se apenas ao povo burguês.
Tal fato se explica, tendo em vista que a burguesia do século XVIII estava oprimida apenas do ponto de vista político, uma vez que tinha o poder econômico.
Com o desenvolvimento industrial e o conseqüente surgimento de uma classe operária, o povo desprovido de poder econômico percebeu logo que aquelas garantias eram apenas formais e, muitas vezes, serviam apenas para proteger as propriedades da burguesia e seus direitos políticos contra greves, assembléias de trabalhadores, direitos de associação, de reunião.
Assim, explica-nos Badía (1980:49, apudSilva, 1990:142):
“A burguesia liberal aparenta conceder a todos a liberdade de imprensa, a liberdade de associação, os direitos políticos, as possibilidades de oposição política: mas, de fato, tais direitos e liberdades não podem ser exercidos realmente senão pelos capitalistas, que são os que têm os meios econômicos indispensáveis para que tais liberdades sejam reais. E assim, no caso do direito de sufrágio, este serve para camuflar diante dos olhos dos proletários uma papeleta de voto, mas a propaganda eleitoral se encontra nas mãos das forças do dinheiro. Simula conceder-lhes o direito de formar sindicatos e partidos políticos, mas as oligarquias capitalistas conservam, direta ou indiretamente, o controle”.
Em oposição a esse estado de coisas surgem novas doutrinas: os socialistas — primeiro com os utopistas (Saint-Simon, Fourier, Louis Blanc, Owen) e depois com os cientistas (Karl Marx, Engels) —, os quais submeteram as concepções abstratas da liberdade e da igualdade a severas críticas, uma vez que medravam as injustiças e as iniqüidades na repartição da riqueza e faziam prosperar a miséria das massas proletárias, enquanto a burguesia acumulava cada vez mais riquezas. O sistema favorecia poucos e gerava crises econômicas para a grande maioria do povo.
O fruto dessas críticas foi a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e o Manifesto Comunista de 1848, cuja influência é comparada por Laski (apud Silva, 1994:27) com a Declaração de Independência Norte-americana e com a Declaração de Direitos de 1789. A partir daí surgiram outras concepções em bases teóricas da sociedade e do Estado, além de documentos de outras correntes, como as encíclicas papais, por exemplo, a Rerum Novarum, em 1891, de Leão XIII.
No plano jurídico, a Revolução de 1848, em Paris, garantiu o direito do trabalho em sua Constituição de curta duração. Mas foi a Constituição do México de 1917 a primeira que sistematizou um conjunto de direitos sociais do homem, denominado Declaração de Direitos Sociais, em seu art. 123, sem romper com o sistema capitalista. Em seguida, adveio a Constituição alemã de Weimar de 1919, a qual, sob o signo de Direitos e Deveres Fundamentais dos Alemães, incluiu os direitos da pessoa individual, os da vida social, os da vida religiosa, os da educação e escola e os da vida econômica. Apesar de a Constituição mexicana ser a mais avançada, foi a alemã de Weimar que teve mais influência no constitucionalismo após a Primeira Grande Guerra Mundial, inclusive na Constituição brasileira de 1934.
Porém, embora as suas contradições, a Declaração francesa representou um marco histórico, um passo muito grande para a humanidade, pois por meio de seus ideais foi possível a conquista de outros direitos fundamentais.
Em 10 de dezembro de 1948, a ONU — Organização das Nações Unidas — sacramentou a idéia de reconhecimento universal dos direitos humanos, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento em que o humanismo político da liberdade alcançou seu ápice no século passado.
É importante frisar que todos esses documentos tinham como conteúdo político central e, com o passar do tempo, jurídico, dentre outros motivos, limitar o poder dos governantes e garantir direitos para o povo, tendo como conseqüência a participação popular e o controle das atividades estatais, fato que podemos notar no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: “A sociedade tem direito de pedir a todo o agente público a prestação de contas de sua administração”.
Apesar de ser uma declaração formal de direitos, sem a garantia do exercício efetivo desse direito por todos do povo, a exigência de prestação de contas, disposta como princípio na Declaração francesa de 1789, foi uma conquista da humanidade que só encontrou avanços com o passar dos tempos.
Hoje, podemos afirmar que o controle social dos atos da Administração Pública é um direito fundamental da primeira geração que historicamente foi conquistado pela humanidade em quase todos os Estados do Planeta.

CAPÍTULO III
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O controle social das funções do Estado é direito fundamental expresso na Constituição de 1988. Daí a necessidade de um breve panorama sobre o tema, tendo em vista que o conceito, as características e a classificação desse direito são essenciais para a definição jurídica do controle social das funções do Estado, uma vez que o controle social é espécie do gênero direitos fundamentais, isto é, podemos encontrar seu núcleo nos direitos fundamentais da primeira geração.
Todavia, não é objeto deste trabalho questionar o conceito, as características e as classificações dos estudos existentes sobre o vasto tema dos direitos fundamentais. Diversos teóricos se debruçaram e refletiram sobre a questão. Um dos grandes entusiastas do assunto é o professor Vidal Serrano Nunes Júnior; assim, vamos abeberar, fundamentalmente, nos seus estudos, os quais serviram de base para as definições que seguem.
1.  A DENOMINAÇÃO “DIREITOS FUNDAMENTAIS”
Em primeiro lugar, cumpre salientar que essa categoria jurídica tem diversas expressões terminológicas, como liberdades públicas, direitos do homem, direitos humanos, direitos públicos subjetivos.
A expressão liberdades públicas é muito restrita, pois traduz apenas a essência dos direitos individuais ou civis. É a preservação da liberdade do indivíduo diante de possíveis atos de prepotência do Poder Público. É direito de resistência. É utilizada pela doutrina francesa, em especial.
A denominação direitos do homem ou direitos humanos indica predicados inerentes à natureza humana enquanto tal; independen­temente de um sistema jurídico específico, é de dimensão congênita e universalista. Precede a existência do direito positivado. É utilizada pela visão jusnaturalista.
Canotilho (1998:369) diferencia as expressões direitos do homem e direitos fundamentais, conforme passamos a descrever:
“As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jurisnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objecti­vamente vigentes numa ordem jurídica concreta”.
Os direitos públicos subjetivos têm suas abrangências cingidas às relações travadas entre os indivíduos e o Poder Público, deixando de agregar em seu significado os deveres coletivos ou o propósito de limitação do poder econômico.
Já a denominação direitos fundamentais traduz o acúmulo evolutivo dos níveis de alforria dos seres humanos em contornos mais estritos e precisos do que aqueles que emolduram o conceito de direitos humanos e vislumbra-os como direitos inerentes à condição humana e passíveis de reivindicação judicial. Abarcam o conjunto de direitos e liberdades reconhecidos jurídica e institu­cionalmente e garantidos pelo direito positivo. “Se trata siempre, por tanto, de derechos delimitados espacial y temporalmente, cuya denominación responde a su caracter básico o fundamentador del sistema jurídico político del Estado de Derecho” (Perez Luño, 1998:47).
2.       CLASSIFICAÇÃO E CONCEITO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais são vocacionados para a proteção da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões. Apre­sentam natureza poliédrica e prestam-se ao resguardo da liberdade (direitos e garantias individuais); necessidades (direitos econômicos, sociais e culturais); preservação (direitos à fraternidade e à solidariedade).
São tais direitos frutos da evolução econômica e social em sincronia com a evolução das relações jurídicas da humanidade. Não surgem das mãos dos legisladores, mas por estes foram reconhecidos e positivados, inclusive nas Constituições.
Segundo Pérez Luño (1998:43):
“(...) los derechos fundamentales han sido fruto de una doble confluencia: a) de un lado, suponen el encuentro entre la tradición filosófica humanista, representada prioritariamente por el jusnaturalismo de orientación democrática, con las técnicas de positivación y protección reforzada de las libertades propias del movimiento constitucionalista, encuentro que se plasma en el Estado de Derecho; b) de otro lado, representan un punto de mediación y de síntesis entre las exigencias de las libertades tradicionales de signo individual, con el sistema de necesidades radicales de carácter económico, cultural y colectivo a cuya satisfacción y tutela se dirigen los derechos sociales”.
2.1.    Classificação
Os direitos fundamentais podem ser abordados sob diversos enfoques, resultando, assim, em muitas classificações, embasadas em critérios distintos: a) conteudístico; b) jurídico positivo; c) evolutivo cumulativo.
2.1.1. Enfoque conteudístico
Por esse enfoque, os direitos fundamentais são classificados conforme os valores específicos que estão destinados a proteger; a proteção da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões é o valor genérico almejado.
As diversas dimensões são segmentadas segundo os valores específicos que venham a contemplar, os quais, mesmo distintos entre si, permanecem ligados pela finalidade que os une.
São três as dimensões conteudísticas: a) direitos fundamentais protetivos da liberdade, os quais têm por finalidade limitar a atuação estatal em relação às liberdades individuais, ou seja, são direitos de resistência dos cidadãos em relação a eventuais atos arbitrários do Estado; b) direitos protetivos dos indivíduos diante das necessidades materiais (ao contrário do item anterior, neste caso, o indivíduo tem direito a ações positivas do Estado, cuja finalidade é a diminuição das desigualdades econômicas, sociais e culturais); c) direitos protetivos da preservação do ser humano ou de solidariedade, que são o direito à paz, direito ao desenvolvimento, e o direito à comunicação social etc.
2.1.2. Enfoque jurídico positivo
Sob esse enfoque, os direitos fundamentais seriam aqueles expressamente indicados no plano do direito positivado.
A nossa Constituição reuniu num mesmo capítulo direitos de natureza diversa. Assim, não adotou corte metodológico, mas positivou os diversos direitos fundamentais historicamente reconhecidos pela humanidade, tanto os individuais como os sociais, econômicos, culturais, políticos e coletivos.
Poderíamos classificar o enfoque jurídico positivo em:
a) direitos individuais, aqueles destinados à limitação do Estado, cuja finalidade é atribuir aos indivíduos direitos de liberdade, fruíveis e reivindicáveis individualmente;
b) direitos coletivos, que são aqueles transindividuais, cujos titulares são pessoas indetermináveis, ligadas por circunstâncias de fato (interesses difusos) ou grupo, categoria ou classe, as quais estão ligadas entre si pela parte contrária a uma relação jurídica básica (interesse coletivo em sentido estrito); note-se, ainda, que hoje a tutela coletiva abrange também outros interesses não essencialmente coletivos: os individuais homogêneos (Watanabe, 1993:185);
c) direitos sociais, que são os direitos às ações positivas do Estado dispostos, em especial, no art. 6º da Constituição;
d) direitos de nacionalidade, que são regulamentados pelo art. 12, I, b e c, da Constituição. É um direito fundamental reconhecido pelo art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de existirem pessoas apátridas;
e) direitos políticos, que são os direitos à soberania popular exercida por meio do direito de votar e ser votado, do referendo e do plebiscito, projetos de iniciativa popular, direito à participação popular e ao controle do poder político estatal;
f) partidos políticos, que na realidade também configuram espécies de direitos políticos e uma das formas de democracia representativa.
Nesse caso, não existe divergência entre a classificação de Nunes Júnior e a de Silva. Porém, Nunes Júnior não faz referência a partidos políticos, mas lembra os direitos econômicos (arts. 170 e s.), com o que concordo.
2.1.3. Enfoque evolutivo cumulativo
Existe um processo de evolução, uma vez que a positivação dos direitos fundamentais dos seres humanos é resultado de um aumento progressivo de aspectos da dignidade humana que passaram ao longo da história a ser objetos de proteção jurídica.
Basicamente são três as gerações de direitos fundamentais:
a) Direitos de 1ª geração, que abarcam os direitos individuais e políticos, cujo escopo é resguardar as liberdades individuais oponíveis ao Estado e instrumentalizar a participação popular. É nesta geração de direitos que se encontram os fundamentos da participação popular e do controle social das atividades do Estado.
b) Direitos de 2ª geração, que são os direitos às ações positivas do Estado, aos serviços públicos, à intervenção do Estado com vistas a diminuir as desigualdades por meio de diversas políticas públicas, como os serviços públicos de saúde, educação, assistência judiciária. A elaboração dessas ações do Estado pode ser feita por meio da participação popular e tais atividades estão sujeitas ao controle social.
c) Direitos de 3ª geração, que são aqueles intrínsecos à preservação da espécie humana, à solidariedade, à paz, ao desenvolvimento. Esses direitos fundamentais também são garantidos por meio da participação popular e sua efetividade depende da capacidade de a sociedade realizar o controle social sobre os fatores que coloquem em risco a espécie humana.
2.2.    Características extrínsecas dos direitos fundamentais
As características intrínsecas identificam a essência de um direito fundamental.
Já as extrínsecas, identificadas na Constituição, podemos resumir nas seguintes: a) rigidez; b) imodificabilidade dos direitos e garantias individuais; c) aplicação imediata. Analisemos cada uma em separado:
a) Rigidez. Nesse caso suas normas submetem-se a um processo mais gravoso de modificação pelo legislador ordinário e todas as normas infraconstitucionais guardam dever de compatibilidade vertical com elas.
b) Os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4º, da  Constituição, o que torna essa espécie de direitos fundamentais impermeável a eventuais modificações pelo legislador ordinário.
c) Eficácia instantânea de seus preceitos, segundo o art. 5º, § 1º, da Constituição.
2.3.    Características intrínsecas dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, por constituírem uma categoria jurídica, trazem consigo algumas características, cuja essência os unifica e os diferencia dos demais direitos expressos na Constituição.
As características dos direitos fundamentais são as seguintes: a) historicidade; b) autogeneratividade; c) universalidade; d) limitabilidade; e) irrenunciabilidade; f) concorrência. Analisemos cada uma delas:
a) Historicidade — Não existe consenso doutrinário em relação ao preciso momento histórico em que tal se teria dado, mas é certo que os direitos fundamentais não surgiram do nada e sim de um processo histórico evolutivo. Emergiram como resultado da luta da humanidade em diferentes momentos históricos e lugares para assegurar a dignidade da pessoa humana, e com o passar dos séculos foram, aos poucos, positivados.
Esse tema foi aprofundado no Capítulo II deste trabalho, sob o título “Fundamentos históricos do controle social da função administrativa do Estado”.
b) A autogeneratividade dos direitos fundamentais está incluída entre os elementos fundantes das Constituições. Na prática, ela só existe porque incorpora esses direitos juntamente com os elementos constitutivos do Estado (população, governo, finalidade, território).
Murillo (1990:17, apudNunes Júnior, 2001:49) assim fundamenta:
“(...) no hay duda de que constituyen el núcleo del ordenamiento constitucional y, por tanto, del ordenamiento jurídico. El Estado como organización política jurídicamente organizada tiene su razón de ser en la realización de los derechos fundamentales”.
Já Schmitt (1992:169, apud Nunes Júnior, 2001:49) leciona que:
“Por tener un concepto utilizable por la Ciencia es preciso dejar afirmado que en el Estado burgués de Derecho son derechos fundamentales sólo aquellos que pueden valer como anteriores e superiores al Estado, aquellos que el Estado, no es que otorgue con arreglo a sus leyes, sino que reconoce e protege con dados antes que él...”.
Canotilho (1992:508, apudNunes Júnior, 2001:50) pontua:
“a positivação constitucional não significa que os direitos fundamentais deixem de ser elementos constitutivos da legitimidade autogenerativa (...), e, por conseguinte, elementos legi­timativo-fundantes da própria ordem jurídico-constitu­cional positiva”.
Em arremate, lapida o ilustre constitucionalista português que “a positivação jurídico-constitucional não ‘dissolve’ nem ‘consome’ quer o momento de ‘jusnaturalização’ quer as raízes fundantes dos direitos fundamentais”.
 c) A universalidade dos direitos fundamentais existe, porque sua razão de ser é o gênero humano. Por isso, é incompatível sua restrição a um grupo, categoria, casta, classe ou estamento de pessoas.
Afirmar os direitos fundamentais é colocar o ser humano acima e independente de qualquer outra configuração de caráter econômico, social, racial, político, de origem ou cultural.
d) A limitabilidade dos direitos fundamentais significa que esses direitos não são absolutos. Quer dizer que a norma jurídica não pode, na sua aplicação ao caso concreto, ser levada a efeito em toda a sua extensão e alcance em decorrência do fenômeno da colisão de direitos.
O fenômeno da colisão de direitos existe quando duas pessoas ou grupos de pessoas têm direitos opostos dentro de um mesmo procedimento por munirem-se de reivindicações que os tornam oponentes.
 Citemos um exemplo: direito à informação dos órgãos públicos x direito à intimidade de algum indivíduo.
Nesse caso, dois direitos fundamentais se chocam. Assim, precisamos encontrar uma solução, que se resume no seguinte: 1 — admite-se que os direitos fundamentais são limitáveis e, portanto, não absolutos; 2 — a limitabilidade não deve ser definida no plano normativo, mas no plano fenomênico, diante da colisão de direitos concretamente exercitáveis.
Após a solução, ambos os direitos continuarão válidos no sistema jurídico, mas um deles, no âmbito concreto da decisão, será descartado pela autoridade competente.
e) Irrenunciabilidade, uma vez que os direitos fundamentais são intrínsecos aos seres humanos, de forma que a renúncia desses direitos seria o mesmo que renunciar à condição de humanidade.
f) Concorrência de direitos fundamentais significa que estes são acumuláveis pelos indivíduos. Portanto, uma única conduta pode ser protegida simultaneamente por mais de uma norma constitucional.
Citamos como exemplo a veiculação de uma notícia por meio de um veículo de comunicação de massa. Nesse caso, o indivíduo receptor pode ao mesmo tempo exercer o direito de comunicação, de informação e de opinião.
Silva (1990:162) descreve apenas as seguintes características dos direitos fundamentais: históricos (afirmando que eles aparecem com a Revolução Francesa e sua historicidade rechaça toda a fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas); inalienáveis (são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial, ou seja, não são indisponíveis); imprescritíveis (a prescritibilidade somente atinge direitos patrimoniais e não personalíssimos); e irrenunciáveis (podem até não ser exercidos, mas podem potencialmente ser exercidos a qualquer tempo).
Aduz, ainda, Silva (1990) que os direitos fundamentais absolutos são aqueles cujo conteúdo e incidência decorrem inteiramente da Constituição, enquanto os relativos têm o conteúdo e a incidência preenchidos por lei.
A nossa opinião é que a doutrina de Nunes Júnior é a melhor, pois ajuda a solucionar os problemas concretos de colisão de direitos fundamentais ao caracterizá-los como limitáveis, e ajuda-nos a encontrar os limites do controle social da função administrativa do Estado, conforme demonstrado no Capítulo XII deste trabalho.

Última atualização em Qui, 30 de Abril de 2009 13:08
 
 

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